E UM PÊNALTI PAROU O TRENZINHO DA CANTAREIRA
Era uma vez um campo de futebol enfeitado, morro acima, pela passagem do Trenzinho da Cantareira e, morro abaixo, pelas águas ainda vivas do córrego Tremembé.
Numa tarde de domingo, o Trenzinho ...parou morro acima. Parou e ficou. E as águas do córrego Tremembé se aquietaram morro abaixo. O Sol estava estranhamente imóvel antes da última curva do dia. E a bola também, na marca do pênalti. O meia Zinho, do Clube Atlético Tremembé, preparava-se para a cobrança. Era um jogo contra o Jabaquara, de Santos, o Leão do Macuco, e no gol estava o jovem Gilmar, que viria a ser um dos maiores e mais elegantes goleiros do mundo. Tempo de jogo no fim. Zero a zero. Nos pés de Zinho despencavam olhares de homens e mulheres que faziam do uniforme rubro-negro do Tremembé a bandeira de uma vida em comum, onde as portas e janelas não se fechavam aos passantes, os muros eram mais baixos que os frutos do quintal e as ruas não escondiam sob piche a face da Terra.
Meninos e meninas também estavam em volta do campo. O jogo daquele domingo era mais emocionante que o seriado da Polícia Montada do Canadá, que o cine Ypê exibia com mais barulho do projetor que o galope dos cavalos.
Uma pausa no tempo aquela cobrança de pênalti. Estava nos pés de Zinho a felicidade do domingo. O gol, a vitória por 1 a 0, a cerveja dos homens e o cachorro quente das crianças no Bar Estrela, a alegre volta para casa das mulheres.
Um chute, o gol e o Trenzinho da Cantareira seguiria viagem e o Córrego Tremembé voltaria aos seus murmúrios e o Sol passaria para o lado de lá da Serra.
Zinho recua três passos. Seu chute era o mais temido na Zona Norte de São Paulo. E ninguém imaginava que aquele goleiro, onze jardas à frente, seria bicampeão mundial pela seleção brasileira, passaria por Wembley a defender dois pênaltis diante da Inglaterra, correria o mundo com o mais formidável time de futebol de todos os tempos, o Santos de Pelé. Lá estava Gilmar diante de Zinho. Mas, que Gilmar era aquele? Ninguém sabia, ele ainda estava no começo de sua história.
Zinho correu e chutou com toda a força e efeito que Deus lhe deu. E uma fração de segundo antes do grito de gol, Gilmar alcançava com suas grandes mãos a bola que iria entrar no canto direito. O silêncio se estendeu até os picos da Serra da Cantareira. E só foi quebrado pelo apito doído do trem. Enfim, ele seguia viagem e levava embora um domingo triste.
(Do livro " Futebol que Lava a Alma" de Miguel Arcanjo Terra)Ver mais
Era uma vez um campo de futebol enfeitado, morro acima, pela passagem do Trenzinho da Cantareira e, morro abaixo, pelas águas ainda vivas do córrego Tremembé.
Numa tarde de domingo, o Trenzinho ...parou morro acima. Parou e ficou. E as águas do córrego Tremembé se aquietaram morro abaixo. O Sol estava estranhamente imóvel antes da última curva do dia. E a bola também, na marca do pênalti. O meia Zinho, do Clube Atlético Tremembé, preparava-se para a cobrança. Era um jogo contra o Jabaquara, de Santos, o Leão do Macuco, e no gol estava o jovem Gilmar, que viria a ser um dos maiores e mais elegantes goleiros do mundo. Tempo de jogo no fim. Zero a zero. Nos pés de Zinho despencavam olhares de homens e mulheres que faziam do uniforme rubro-negro do Tremembé a bandeira de uma vida em comum, onde as portas e janelas não se fechavam aos passantes, os muros eram mais baixos que os frutos do quintal e as ruas não escondiam sob piche a face da Terra.
Meninos e meninas também estavam em volta do campo. O jogo daquele domingo era mais emocionante que o seriado da Polícia Montada do Canadá, que o cine Ypê exibia com mais barulho do projetor que o galope dos cavalos.
Uma pausa no tempo aquela cobrança de pênalti. Estava nos pés de Zinho a felicidade do domingo. O gol, a vitória por 1 a 0, a cerveja dos homens e o cachorro quente das crianças no Bar Estrela, a alegre volta para casa das mulheres.
Um chute, o gol e o Trenzinho da Cantareira seguiria viagem e o Córrego Tremembé voltaria aos seus murmúrios e o Sol passaria para o lado de lá da Serra.
Zinho recua três passos. Seu chute era o mais temido na Zona Norte de São Paulo. E ninguém imaginava que aquele goleiro, onze jardas à frente, seria bicampeão mundial pela seleção brasileira, passaria por Wembley a defender dois pênaltis diante da Inglaterra, correria o mundo com o mais formidável time de futebol de todos os tempos, o Santos de Pelé. Lá estava Gilmar diante de Zinho. Mas, que Gilmar era aquele? Ninguém sabia, ele ainda estava no começo de sua história.
Zinho correu e chutou com toda a força e efeito que Deus lhe deu. E uma fração de segundo antes do grito de gol, Gilmar alcançava com suas grandes mãos a bola que iria entrar no canto direito. O silêncio se estendeu até os picos da Serra da Cantareira. E só foi quebrado pelo apito doído do trem. Enfim, ele seguia viagem e levava embora um domingo triste.
(Do livro " Futebol que Lava a Alma" de Miguel Arcanjo Terra)Ver mais
Miguel Arcanjo Terrapublicadou emRegina Maura Mendonça
há 18 horas
- Quem pode ver essa publicação no mural?Quem pode ver essa publicação no mural?
- Seus amigos de amigosSeus amigos de amigos
E UM VIOLINISTA CAI DO TRENZINHO DA CANTAREIRA
Ele carregava o estojo de violino com muita pompa. Ia e vinha de trem. Jovem, olhar altivo, dono de si, na estação do Tremembé era admirado pelas mulheres (e se sentia mais bonito) e invejado p...elos que carregavam marmitas (e sentiam mais feios com suas roupas furadas pelas fagulhas do trem).
Mas, certa tarde, ele salta um pouco antes da estação (os mais jovens não esperavam o trem parar), tropeça, cai, o estojo lhe escapa das mãos, se escancara e uma marmita igual a tantas outras rola escandalosamente pelo chão. Nunca houve nenhum violino. E todos os que carregavam marmitas se sentiram mais bonitos naquela tarde. E ele deve ter se sentido muito feio, porque nunca mais apareceu na estação.Ver mais
Ele carregava o estojo de violino com muita pompa. Ia e vinha de trem. Jovem, olhar altivo, dono de si, na estação do Tremembé era admirado pelas mulheres (e se sentia mais bonito) e invejado p...elos que carregavam marmitas (e sentiam mais feios com suas roupas furadas pelas fagulhas do trem).
Mas, certa tarde, ele salta um pouco antes da estação (os mais jovens não esperavam o trem parar), tropeça, cai, o estojo lhe escapa das mãos, se escancara e uma marmita igual a tantas outras rola escandalosamente pelo chão. Nunca houve nenhum violino. E todos os que carregavam marmitas se sentiram mais bonitos naquela tarde. E ele deve ter se sentido muito feio, porque nunca mais apareceu na estação.Ver mais
Nenhum comentário:
Postar um comentário